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Três promessas não cumpridas das tecnologias digitais para melhorar a educação e como cumpri-las
Pablo Cevallos Estarellas, Diretor do Escritório para a América Latina e o Caribe do IIPE UNESCO, levantou alguns dos desafios apresentados durante o Fórum Regional de Política Educacional 2023.
Estudantes do ensino fundamental usam computadores individualmente durante uma aula.

© Getty Images Signature

Por: Pablo Cevallos Estarellas

Na América Latina, durante as duas últimas décadas, foi feito um investimento econômico significativo para incorporar tecnologias digitais aos sistemas educacionais, justificado pela crença de que elas melhorariam a educação em três dimensões:

1. A primeira era que as tecnologias digitais ajudariam a inclusão educacional de pessoas excluídas, graças ao acesso a computadores e à internet, 

2. A segunda era que elas contribuiriam para melhorar a aprendizagem de estudantes por meio do uso de softwares educacionais;

3. E uma terceira promessa - a menos conhecida - era que elas facilitariam o planejamento e, acima de tudo, a gestão dos sistemas educacionais, graças à digitalização dos processos escolares e ministeriais.

Entretanto, os resultados obtidos nos países da região, com pouquíssimas exceções, têm sido decepcionantes até o momento.

Vamos analisar as três promessas uma a uma, com base no que o Instituto Internacional de Planejamento Educacional (IIPE) da UNESCO pesquisou nos países da América Latina.

Em relação à inclusão educacional, a promessa era de que as tecnologias digitais poderiam desempenhar um papel crucial na redução das barreiras ao acesso e à retenção de grupos tradicionalmente excluídos do sistema educacional. Entretanto, as lacunas no acesso à tecnologia permanecem profundas em muitos países, apesar de todo o investimento feito, com desigualdades enormes e persistentes por nível socioeconômico e localização geográfica. Em termos de conectividade escolar, a maioria das escolas permanece desconectada e muitas das que estão conectadas têm uma qualidade de conexão muito ruim. Tudo isso contribuiu para exacerbar a desigualdade paradoxal que a introdução de tecnologias digitais nos sistemas educacionais produziu em quase todos os nossos países.

Com relação à segunda promessa, muitas pessoas acreditavam que o uso de tecnologias digitais em sala de aula poderia melhorar os resultados da aprendizagem, mesmo independentemente do trabalho de professores. Entretanto, as evidências que sustentam essa crença são escassas e inconclusivas, pois não foram encontrados efeitos claros do uso de tecnologias digitais no ensino. Isso pode estar relacionado ao fato de que, como sugerem as pesquisas dos últimos anos, as tecnologias digitais eram frequentemente usadas simultaneamente, ao mesmo tempo em que reforçavam as práticas educacionais tradicionais.

Em relação à terceira promessa, destaco duas observações feitas em muitos países da América Latina: (a) uma é o progresso lento e desigual na digitalização dos processos de gestão escolar. Os dados mais recentes indicam que a maioria das escolas continua coletando dados em formato físico; (b) outra é o uso limitado ou inexistente de Sistemas de Informação e Gestão Educacional para gerenciar melhor os sistemas escolares. Além disso, muitos países da região ainda não têm esses sistemas de informação. E onde eles existem, tendem a estar em um estado incipiente, com um baixo nível de desenvolvimento tecnológico, de modo que raramente são usados.

De tudo o que foi dito acima, podemos concluir que a mera introdução de tecnologias digitais nos sistemas educacionais não tem, por si só, o poder de aprimorá-los. Isso, é claro, não nega que elas tenham esse potencial. São as pessoas das equipes dos ministérios da educação responsáveis pela formulação e implementação de políticas educacionais que têm a responsabilidade de garantir que as tecnologias digitais sejam integradas de forma inteligente aos sistemas educacionais, com consciência de seus limites e vieses, e que possam realizar todo o seu potencial.

Para discutir como fazer isso, mais de 300 pessoas de 27 ministérios da educação nacionais e subnacionais da América Latina e do Caribe participaram da última edição do Fórum Regional de Política Educacional da UNESCO.

Durante o evento, que também contou com a participação de especialistas de centros de pesquisa, organizações internacionais e entidades da sociedade civil, foram propostos dois caminhos para revitalizar a relação entre o planejamento educacional e as tecnologias digitais em nossa região.

O primeiro caminho é o estabelecimento de políticas digitais na educação, coordenadas em nível nacional, para garantir que as tecnologias façam parte dos processos educacionais e sejam realmente úteis para gerar um impacto positivo tanto na expansão da cobertura quanto na qualidade da aprendizagem. Isso implica, entre outras ações, a reforma do currículo, a adoção de novos modelos de ensino, a formação de equipes de professores e a obtenção de uma hibridização integral da educação.

O segundo caminho visa integrar as tecnologias digitais ao planejamento e à gestão dos sistemas educacionais, melhorando sua eficiência, transparência e qualidade: desde a aplicação de Big Data até o desenvolvimento de Sistemas de Alerta Precoce para proteger as trajetórias escolares.

Em outras palavras, enquanto o primeiro caminho se refere a como conseguir a integração das tecnologias digitais nos processos de ensino, o segundo se refere ao potencial dessas mesmas tecnologias para o planejamento e a gestão dos sistemas educacionais: ambas as linhas de ação têm a possibilidade de se retroalimentar, criando um círculo virtuoso que pode aumentar seu impacto.

De acordo com o estudo Planejamento educacional e tecnologias digitais na América Latina, publicado recentemente pelo IIPE UNESCO, um enfoque de planejamento educacional que combine objetivos de curto e longo prazo, integrando uma resposta ágil e pragmática às necessidades de gestão com uma visão estratégica de mais longo prazo, é fundamental para alcançar melhorias profundas e, acima de tudo, duradouras.

Para alcançar essas melhorias sustentáveis, é fundamental articular visões educacionais baseadas no mais amplo consenso entre os diferentes setores da sociedade, visões que possibilitem a definição de políticas de Estado (e não apenas de governo) para garantir uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todas as pessoas, sem deixar ninguém para trás.

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